17 de fev. de 2011

O espetáculo da tragédia


Há uma relação perversa entre os meios de comunicação de massa e as grandes tragédias. Em um momento na história da humanidade no qual somos bombardeados por informações a todo instante, é intrigante observar o efeito que imagens chocantes como as do desastre ocorrido na região serrana do estado do Rio de Janeiro nesta semana pode ter sobre quem acompanha tudo à distância, por meio da televisão, jornais, revistas e internet.
Como se trata da maior tragédia climática na história do país, a imprensa tenta dar conta da amplitude da destruição em Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis e cidades vizinhas. Buscam oferecer a leitores e espectadores desde explicações científicas sobre o excesso de chuvas e o porquê dos deslizamentos nas encostas de morros, até contar as histórias de perdas e danos vividos por quem foi atingido diretamente pelas intempéries.
Edições quase inteiras de telejornais, páginas e mais páginas dos jornais diários e das revistas que chegarão às bancas neste fim de semana vão explorar o assunto até o osso. Esse é o dever do bom jornalismo, afinal de contas. Assim como mostrar que, ano após ano, tragédias semelhantes ocorrem no país, sem que o Poder Público tome medidas políticas eficazes que consigam evitar a morte de tantos brasileiros e prejuízos materiais tão gigantescos.
Mas não é exatamente sobre isso que desejo falar. Algo que chama a minha atenção, e me perturba, é o efeito que a verdadeira enxurrada de imagens do desastre exerce sobre o público médio. A dor dos que ficam, os corpos que se empilham, as casas e prédios que desabam, os móveis e eletrodoméstiocs que boiam, os resgates heroicos, a indignação, a sujeira, o abandono. Tudo isso é repetido tantas e tantas vezes pelos noticiários que, mesmo sem querer, as pessoas acabam por se acostumar ao ponto de não se deixarem tocar pelo que veem ou, pior, de reclamar “que só falam sobre isso”. Tive de ouvir isso hoje de uma mulher, mais preocupada em correr na esteira de uma academia de ginástica.
A verdade é que, num mundo hipermediatizado, as tragédias, sejam aqui, na Austrália ou na Ilha da Madeira, são transformadas em espetáculos, assistidos ao redor do mundo como se fossem filmes de ficção. Assim como guer­­ras sangrentas, atentados terroristas e acidentes aéreos são servidos no banquete da grande mídia, que os explora enquanto algo novo – e de maior apelo – não acontece. São tantas as imagens das muitas tragédias humanas, que também incluem a fome, a tortura em campos de prisioneiros, os motins em complexos penitenciários, as trocas de tiros entre polícia e bandidos, que o público talvez não tenha tempo de processar o que vê. Apenas engole tudo, como uma ração diária.
O duro é pensar que, quando as câmeras são desligadas e a pauta parece ter sido esgotada, até porque surgem novas urgências a serem atendidas, a vida real não termina como um filme ou um episódio de seriado. Os personagens continuam lá, quase sempre trancados em um enredo do qual não conseguem escapar, se debatendo em um roteiro que, de maneira geral, não sofre grandes alterações. E, no ano seguinte, o grotesco espetáculo se repete para horror, tristeza e, por fim, indiferença da maior parte dos que apenas o assistem.
Paulo Camargo

10 de fev. de 2011

Trilha de contradições

"Convencidos de que pensar dói e de que mudar é negativo, tateamos sozinhos no escuro, manada confusa subindo a escada rolante pelo lado errado"
"Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce." Já escrevi sobre essa frase. Sim, repito alguns temas, que são parte do meu repertório, pois todo escritor, todo pintor, tem seus temas recorrentes. No alto dessa escada nos seduzem novidades e nos angustia o excesso de ofertas. Para baixo nos convocam a futilidade, o desalento ou o esquecimento nas drogas. Na dura obrigação de ser "felizes", embora ninguém saiba o que isso significa, nossos enganos nos dirigem com mão firme numa trilha de contradições.
Apregoa-se a liberdade, mas somos escravos de mil deveres. Oferecem-nos múltiplos bens, mas queremos mais. Em toda esquina novas atrações, e continuamos insatisfeitos. Desejamos permanência, e nos empenhamos em destruir. Nós nos consideramos modernos, mas sufocamos debaixo dos preconceitos, pois esta nossa sociedade, que se diz libertária, é um corredor com janelinhas de cela onde aprisionamos corpo e alma. A gente se imagina moderno, mas veste a camisa de força da ignorância e da alienação, na obrigação do "ter de": ter de ser bonito, rico, famoso, animadíssimo, ter de aparecer – que canseira.
Como ficcionista, meu trabalho é inventar histórias; como colunista, é observar a realidade, ver o que fazemos e como somos. A maior parte de nós nasce e morre sem pensar em nenhuma das questões de que falei acima, ou sem jamais ouvir falar nelas. Questionar dá trabalho, é sem graça, e não adianta nada, pensamos. Tudo parece se resumir em nascer, trabalhar, arcar com dívidas financeiras e emocionais, lutar para se enquadrar em modelos absurdos que nos são impostos. Às vezes, pode-se produzir algo de positivo, como uma lavoura, uma família, uma refeição, um negócio honesto, uma cura, um bem para a comunidade, um gesto amigo.
Mas cadê tempo e disposição, se o tumulto bate à nossa porta, os desastres se acumulam – a crise e as crises, pouca trégua e nenhuma misericórdia. Angústias da nossa contraditória cultura: nunca cozinhar foi tão chique, nunca houve tantas delícias, mas comer é proibido, pois engorda ou aumenta o colesterol. Nunca se falou tanto em sexo, mas estamos desinteressados, exaustos demais, com medo de doenças. O jeito seria parar e refletir, reformular algumas coisas, deletar outras – criar novas, também. Mas, nessa corrida, parar para pensar é um luxo, um susto, uma excentricidade, quando devia ser coisa cotidiana como o café e o pão. Para alguns, a maioria talvez, refletir dá melancolia, ficar quieto é como estar doente, é incômodo, é chato: "Parar para pensar? Nem pensar! Se fizer isso eu desmorono". Para que questionar a desordem e os males todos, para que sair da rotina e querer descobrir um sentido para a vida, até mesmo curtir o belo e o bom, que talvez existam? Pois, se for ilusão, a gente perdeu um precioso tempo com essa bobajada, e aí o ônibus passou, o bar fechou, a festa acabou, a mulher fugiu, o marido se matou, o filho... nem falar.
Então vamos ao nosso grande recurso: a bolsinha de medicamentos. A pílula para dormir e a outra para acordar, a pílula contra depressão (que nos tira a libido) e a outra para compensar isso (que nos rouba a naturalidade), e aquela que ninguém sabe para que serve, mas que todo mundo toma. Fingindo não estar nem aí, parecemos modernos e espertos, e queremos o máximo: que para alguns é enganar os outros; para estes, é grana e poder, beleza e prestígio; para aqueles, é delírio e esquecimento.
Para uns poucos, é realizar alguma coisa útil, ser honrado, apreciar a natureza, sentir o calor humano e partilhar afeto. Mas, em geral medicados, padronizados, desesperados, medíocres ou heroicos, amorosos ou perversos, nos achando o máximo ou nos sentindo um lixo, carregamos a mala da culpa e a mochila da ansiedade. Refletindo, veríamos que somos apenas humanos, e que nisso existe alguma grandeza. Mas, convencidos de que pensar dói e de que mudar é negativo, tateamos sozinhos no escuro, manada confusa subindo a escada rolante pelo lado errado.

Lya Luft
Fonte: Revista Veja - Edição 2119 - 1 de Julho de 2009

6 de fev. de 2011

Subir pelo lado que desce




Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce.
Ouvindo esta frase, imaginei qualquer pessoa nessa acrobacia que as crianças fazem ou tentam fazer: escalar aqueles degraus que nos puxam inexoravelmente para baixo. Perigo, loucura, inocência, ou uma boa metáfora do que fazemos diariamente?
Poucas vezes me deram um símbolo tão adequado para a vida, sobretudo naqueles períodos difíceis em que até pensar em sair da cama dá vontade de desistir. Tudo o que quereríamos era taparmos a cabeça e dormirmos, sem pensarmos em nada, fingindo que não estamos nem aí…
Porque Tanatos, isto é, a voz do poço e da morte, nos convoca a cada minuto para que, enfim, nos entreguemos e acomodemos. Só que acomodar-se é abrir a porta a tudo aquilo que nos faz cúmplices do negativo. Descansaremos, sim, mas tornando-nos filhos do tédio e amantes da pusilanimidade, personagens do teatro daqueles que constantemente desperdiçam os seus próprios talentos e dificultam a vida dos outros.
E o desperdício da nossa vida, talentos e oportunidades é o único débito que no final não se poderá saldar: estaremos no arquivo-morto.
Não que não tenhamos vontade ou motivos para desistir: corrupção, violência, drogas, doença, problemas no emprego, dramas na família, buracos na alma, solidão no casamento a que também nos acomodamos… tudo isso nos sufoca. Sobretudo, se pertencermos ao grupo cujo lema é: Pensar, nem pensar… e a vida que se lixe.
A escada rolante chama-nos para o fundo: não dou mais um passo, não luto, não me sacrifico mais. Para quê mudar, se a maior parte das pessoas nem pensa nisso e vive da mesma maneira, e da mesma maneira vai morrer?
Não vive (nem morrerá) da mesma maneira. Porque só nessa batalha consigo mesmo, percebendo engodos e superando barreiras, podemos também saborear a vida. Que até nos surpreende quando não se esperava, oferecendo-nos novos caminhos e novos desafios.
Mesmo que pareça quase uma condenação, a ideia de que viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce é que nos permite sentir que afinal não somos assim tão insignificantes e tão incapazes.
Então, vamos à escada rolante: aqui e ali até conseguimos saltar degraus de dois em dois, como quando éramos crianças e muito mais livres, mais ousados e mais interessantes.
E porque não? Na pior das hipóteses, caímos, magoamo-nos por dentro e por fora, e podemos ainda uma vez… recomeçar.


Lya Luft
Pensar é transgredir
Lisboa, Presença, 2005

5 de fev. de 2011

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"Era ainda jovem demais para saber que a memória do coração elimina as más lembranças e enaltece as boas e que graças a esse artifício conseguimos suportar o passado."


O amor nos tempos do cólera - Gabriel Garcia Márquez

3 de fev. de 2011

Internacionalização da Amazônia

Durante debate ocorrido no mês de Novembro/2000, em uma Universidade, nos Estados Unidos, o ex-governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque (PT), foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Segundo Cristovam, foi a primeira vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para a sua resposta:
        "De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a   internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo e risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade. Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado
          Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou
de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país.
         Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado. Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveriam  pertencer ao mundo inteiro. Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida.
        Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa."
(*) Cristóvam Buarque foi governador do Distrito Federal (PT) e reitor da Universidade de Brasília (UnB), nos anos 90. É palestrante e humanista respeitado mundialmente.

1 de fev. de 2011

O gordo e o magro


Atribuir ao doente a culpa dos males que o afligem é procedimento tradicional na história da humanidade. A obesidade não foge à regra.
Na Idade Média, a sociedade considerava a hanseníase um castigo de Deus para punir os ímpios. No século 19, quando proliferaram os aglomerados urbanos e a tuberculose adquiriu características epidêmicas, dizia-se que a enfermidade acometia pessoas enfraquecidas pela vida devassa que levavam. Com a epidemia de Aids, a mesma história: apenas os promíscuos adquiririam o HIV.
Coube à ciência demonstrar que são bactérias os agentes causadores de tuberculose e da hanseníase, que a Aids é transmitida por um vírus e que esses microorganismos são alheios às virtudes e fraquezas humanas: infectam crianças, mulheres ou homens, não para puni-los ou vê-los sofrer, mas porque pretendem crescer e multiplicar-se como todos os seres vivos. Tanto se lhes dá se o organismo que lhes oferece condições de sobrevivência pertence à vestal ou ao pecador contumaz.
O mesmo preconceito se repete agora com a obesidade, até aqui interpretada como condição patológica associada ao pecado da gula. No entanto, a elucidação dos mecanismos de ação dos mediadores químicos e da arquitetura dos circuitos que os neurônios estabelecem até chegar aos centros cerebrais encarregados do controle da fome e da saciedade tem demonstrado que engordar ou emagrecer está longe de ser mera questão de vontade.
Vou dar um exemplo para ilustrar a complexidade desses mecanismos, com o objetivo de mostrar a você, leitor perseverante, que a obesidade é conseqüência da associação de várias características genéticas e comportamentais que convergem em determinado indivíduo: o gordo.
Recentemente foi descoberta a proteína CNTF, dotada da propriedade de manter neurônios vivos e ajudá-los a se tornar maduros em meio de cultura. O isolamento da CNTF estimulou os pesquisadores a tentar usá-la em casos graves de uma doença degenerativa conhecida pela sigla ELA, caracterizada por paralisia progressiva causada pela perda de neurônios motores.
O tratamento, no entanto, provocou um efeito colateral dramático: diminuição de apetite e emagrecimento persistente mesmo depois de suspensas as injeções de CNTF.
Estudos em ratos confirmaram essa perda de peso duradoura tanto nos casos de obesidade provocada pela ingestão de dietas ricas em gordura como naqueles portadores de obesidade de causa genética. E que o mecanismo de ação da CNTF podia ser explicado pela propriedade de provocar o nascimento de novos neurônios no hipotálamo, área do cérebro que desempenha papel crucial no controle do apetite e do balanço energético do organismo.
Nos ratos, esse efeito é tão pronunciado que o hipotálamo dos animais tratados com CNTF chega a apresentar seis vezes mais neurônios novos.
Para aumentar a complexidade, ficou demonstrado que esses neurônios novos respondem mais intensamente à ação da lepitina, hormônio supressor do apetite produzido pelo tecido gorduroso, e a outros hormônios dotados da mesma propriedade, liberados na passagem dos alimentos pelo tubo digestivo.
A conclusão a que pretendo chegar é a de que quanto mais nos aprofundamos no estudo dos mecanismos reguladores da fome e da saciedade, mais complexos e interligados eles demonstram ser. O que está absolutamente de acordo com a perspectiva evolucionista: uma função tão essencial à sobrevivência da espécie jamais teria sido deixada ao livre arbítrio de cada um. O impulso da fome, tão irresistível quanto o da sede, é disparado em áreas cerebrais dificilmente reprimidas pela ação dos centros que coordenam o pensamento racional.
As evidências fazem crer que a obesidade seja uma cruz carregada por pessoas geneticamente predispostas, num ambiente que lhes proporciona acesso farto aos alimentos.
A fartura é necessária - não havia prisioneiros obesos nos campos de concentração, como todos dizem -, mas não é suficiente. Os genes envolvidos no controle dos neurônios que interferem com o binômio fome-saciedade e com os comportamentos modulados por eles são decisivos.
As mães de vários filhos são capazes de identificar diferenças na voracidade ao mamar, em bebês que acabaram de nascer. Enquanto algumas crianças passam o dia atrás de doces, adoram alimentos gordurosos e detestam verduras ou saladas, outras fazem do horário das refeições o calvário das avós.
Na próxima vez que você for a uma churrascaria, preste atenção nas mesas grandes com a família reunida e observe como os olhos dos gordinhos brilham diante dos espetos. Como regra, os magros gostam de salada, dão preferência às carnes magras e não ligam para sobremesas; os gordos, ao contrário. O gordo viaja 30 km atrás de um frango assado; o magro pode ir junto pela companhia, não pela comida.
Reparem nos cozinheiros de fim de semana, esses que passam 12 horas no preparo de um pernil que derrete na boca. Quantos são magros? A gustação é uma experiência sensorial capaz de despertar compulsão alimentar em indivíduos predispostos geneticamente à obesidade; os magrelos desanimam diante do prato cheio.
Como o cérebro ajusta o metabolismo e dispara ímpetos de fome para que o peso corpóreo volte sempre ao maior valor já atingido, a lógica de afirmar que fulano é gordo porque come demais talvez devesse ser apresentada ao revés: ele come muito porque é gordo, enquanto o outro come pouco por ser magro.
Drauzio Varella